Os DDR pelo Caminho Finisterra

Ao fim de uma semana, hoje, dia 18, estava planeado escrever qualquer coisa, sobre o Caminho Finisterra que concluímos há uma semana mas, depois da tragédia de Pedrogão Grande, a vontade de escrever foi pouca. É nestas alturas que percebemos quão frágil somos e todos as coisas significam tão pouco, bem sabemos que a vida continua mas, parece que nada faz sentido.Os ddr, como  em todo o país, estão solidários e associam-se à dor da tragédia que atingiu a população de Pedrogão Grande.

 

Todos os anos durante três dias, os ddr pedalam pelos Caminhos de Santiago, unicamente pelo prazer da aventura, para descomprimir uns dias e sobretudo para fortalecer a união de grupo – se fosse por qualquer outro motivo, por ex: religioso ou cultural, para interiorizar a mística destas rotas milenares, teria de ser em grupos pequenos e a pé.

Muitos peregrinos após visitarem Santiago e a sua catedral, onde é suposto (não há certeza), estar sepultado o apostolo Santiago, continuam a peregrinação até Finisterra – fim de terra -, local considerado por muitos o fim do verdadeiro Caminho de Santiago.

Os ddr, depois de terem pedalado por tantas rotas ao longo dos anos, este ano, no fim de semana de 10 e 11 junho, chegou a vez de “completar” os Caminhos que ao longo de dez anos terminaram na praça do Obradoiro em frente da catedral de Compostela e foram até ao… fim da terra

Pela primeira vez, fizemo-lo em dois dias e formamos um grupo de 17 elementos, o maior de sempre a pedalar por estas rotas que milhares de pessoas, supõe-se que antes da era de Cristo, utilizaram para se dirigirem às terras do fim do mundo, para se encontrarem com o renascer da vida e os elementos da natureza, a água, o sol e as pedras, culto associado a ritos pagões que, mais tarde na cristianização deram origem a monumentos e famosos santuários como o da Virgem da Barca – que visitamos em Muxia – e a igreja de Santa Maria das Areas em Finisterra, relacionados com as rotas de Santiago.

Com este intróito aconselhamos a quem tenha intenção de calcorrear ou pedalar por este caminho, se documente sobre a sua história para melhor o desfrutar mais intensamente do que nós o desfrutamos, muito por falta de tempo, mas também por…um engano monumental no segundo dia, mesmo assim, deu para formarmos uma opinião excelente deste Caminho, único, mítico, diferente de todos os que já percorremos, que começa onde os outros terminam, com histórias de séculos.

 

Sábado, 10 junho 2017

1º dia: Santiago – Muxia – Finisterra

1.Com o habitual engano do costume – um clássico dêdêrriano que se repete a cada ano para onde quer que nos dirijamos para começar uma rota -, Chegamos a Santiago com poucas ou nenhumas horas de sono e cheios de larica, mas com carradas de boa disposição e com a expectativa de descobrir o que nos reservaria este peculiar Caminho Finisterra, um dos trinta e tal referenciados dos Caminhos de Santiago e património mundial da humanidade.

Preparados, com alguns apontamentos dos pontos mais emblemáticos a visitar, convencidos, embora o mapa indicasse algumas dificuldades, que este Caminho seria relativamente fácil, mas, não foi bem assim, o constante sobe e desce/pica miolos, como alguém lhe chamou, tem umas paredes jeitosas que se refletiram nos 2800m de altimetria final até Finisterra. Às 09h00, partimos da Catedral com o objetivo de fazer as etapas: Santiago-Muxia-Finisterra.

Com tempo ameno e como é natural no inicio de cada jornada, deparamos com muitos peregrinos, a exigir cuidados redobrados da nossa parte para não haver chatices, foi sempre assim até Olveiroa, próximo da separação do Caminho.

O Chico, nosso porta bandeira, com uma bandeirinha nacional pregada na bike, identificava a nossa origem, mas com pouco sucesso, porque fomos muitas vezes confundidos como sendo italianos, quando desfazíamos o engano lá vinha a inevitável associação a Portugal com a exclamação “ah Ronaldo”.

Depressa chegamos a Ponte Maceira, um povoado com 50 pessoas, um local aprazivel e bonito com uma ponte medieval a merecer que explorassemos mais demoradamente este local histórico, infelizmente só houve tempo para as fotos da praxe e continuamos a pedalar ligeiros por entre os imensos prados verdejantes a perder de vista e por meio de bosques, sobretudo pinhais.

Paravamos sempre que nos apetecia, ora para atestar a nossa passagem sellando a credencial (muito pouco), ora para repor os níveis de glicogeneo gastos com o esforço das subidas e cada um escolhia o óleo que mais o satisfizesse.

Negreira, outro ponto histórico, foi só de passagem.

O Miguel, um dos três estreantes nestas coisas dos Caminhos de Santiago – os outros dois eram o André e o Martinho – lá ia de quando em quando com a sua voz estridente, soltando o gripo de ipiranga, muito útil para aqueles que estavam quase a adormecer em cima da bike.

2.Vilaserio, encontro com a carrinha de apoio conduzida pelo nosso asa Carias, para tragar umas sandoxas e tomar um cafezinho, ao mesmo tempo que se mandavam umas bocasinocentes e gozonas para quem se pusesse a jeito, e, neste capitulo, o indómito Miguel, teve mais audiência, talvez por ter um stick  p`ras selfies que..não funcionou.

Olveiroa, outro ponto de referência que também nos passou ao lado e onde encontramos um peregrino a fazer de mula, a beber cerveja (e pedrado ?), a descansar de puxar um pesado carrinho – o Tozé constatou que era pesado – com dois varais igual ao das carroças, transportando todos os seus pertences desde há longos meses, pelo menos foi o que deu a entender no seu inglês macarronico, porque não tinha a certeza de quando tinha começado. Flagrantes como este de peregrinos pelos Caminhos de Santiago, encontramos sempre, alguns bem insólitos, como daquela vez no Caminho da Costa, quando encontramos um peregrino com um enorme porco e um cão pela trela.

Ou para Finisterra ou para Muxia

E eis-nos no Hospital um pequeno pueblo, com duas opções para os caminhantes, ou diretos a Finisterra (30km), ou por Muxia (64 km), como foi delineado no inicio, continuamos por Muxia.

Os primeiros 18km foram agradáveis por entre pequenas povoações cuidadas e históricos de Dumbria, porém, os últimos kms antes de Muxia, exigiram bastante do caparro, que começava a dar sinais de alguma fadiga, o que nos obrigou a fazer duas  pausas para reforçar o buxo, uma delas mais demorada à entrada da vila, que serviu também para admirar a “paisagem”, da baía da praia da Espinheira.

Muxia, uma típica vila piscatória do litoral situada na famosa Costa da Morte, designada assim devido a milhares de mortes ao longo de séculos em consequência dos muitos naufrágios, dos quais há poucos anos, como todos ainda estarão recordados, quando o petroleiro Prestige encalhou derramando 77.000 toneladas de crude, provocando uma maré negra com a extensão de 2.000km por toda a costa espanhola e francesa, sendo considerado até hoje, o terceiro pior desastre mais custoso da história depois da explosão da nave Columbia e da central nuclear de Chernobyl.

Terminada a pausa, retemperados, atravessamos a vila e continuamos para norte pelo cabo, em direção à ponta da Barca, um local carregado de lendas relacionadas com as suas enormes pedras, dentre as quais a lenda da pedra de Cadris, cuja história popular conta  que pertenceu à barca de pedra que transportou a sra com o apostolo Santiago e que deu origem à construção do santuário da Virgem da Barca, onde todos os anos em setembro se realiza uma popular romaria das mais concorridas da Galiza. Perto do santuário está erigido um monumento megalítico para assinalar o desastre do Prestige.

3.A ultima etapa de 32kms até Finisterra são feitos praticamente por zonas florestais e largos estradões,  agradáveis de pedalar e dos mais solitários do Caminho, a convidar a uma introspeção espiritual, principalmente a quem o faça em solitário, apenas encontramos um peregrino na direção oposta.

Logo à saída tivemos que trepar durante 3 km, dos 0 aos 270m, até ao cimo do monte Facho do Lourido, um local que antes de haver a ajuda dos faróis à nevegação, acendiam-se fogueiras para avisar quem andava no mar, dos perigos da Costa da Morte.

Ultrapassado este obstáculo de alguma dificuldade, o resto do Caminho foi relativamente fácil e rápido.

O Miguel lá ia soltando os gritos para incentivar as tropas e a coisa resultava para alguns que fugiam do pelotão até desaparecerem da vista, outros ficavam para trás, a dispersão do grupo foi uma constante nos dois dias, por vezes com intervalos de kms entre o primeiro e o ultimo. O Cunha aproveitou para tentar ganhar algum, e fez vários carretos para cima e para baixo do monte, a rebocar alguns tresmalhados que começavam a dar de si, mas ao que consta teve azar porque ninguém lhe pagou. Ingratos.

Nesta etapa, as placas toponímicas são quase inexistentes o que deu origem a que passassemos por Frixe e Lires os locais mais mediáticos entre Muxia e Finisterra, sem que nos apercebêssemos, o que originou desencontrarmo-nos por duas vezes com a carrinha da logística e até chegamos primeiro do que esta a Finisterra.

Cento e vinte e três kms depois de termos saído de Santiago e 7 horas e meia a pedalar, às 19h30, estávamos em Finisterra, o km zero e o farol do cabo ficariam para o outro dia, pois eram horas de uma boa hidratação a sério e um banho retemperador, para depois afiar os dentes para o jantar.

domingo, 11 junho 2017

2º dia: Finisterra – Santiago

1.No segundo dia a história foi outra, depois de termos estado na véspera, hora e meia à espera do jantar, nem tudo foi mau, a espera foi muito bem aproveitada para conversar sobre…o quê? Alguém se lembra? Hum, achamos que não, mas todos nos lembramos do truque que o patife do Tozé – pois quem mais haveria de ser? –  ensinou ao Martinho, foi de facto um bom truque… prófundo, quando por fim terminamos de roer umas carnes assim, assim, o empregado também fez um truque com a conta do jantar, mais prófundo que o truque do Tozé.

Quando abandonamos o restaurante já passava da meia-noite, depois…” tchitchó corno”, e cama.

Durante a noite fomos brindados, pelas incansáveis gaivotas do fim do mundo, ao que parece, adoram fazer serenatas ao pé das janelas dos hoteis e, neste aspeto fomos uns privilegiados com o hotel que nos tocou, mas  não agradaram a toda a gente, muitos ddr não gostaram da música e queixaram-se que dormiram mal em contraste com as roncadelas telúricas vindas de quartos ocupados por peregrinos.

Cabo Finisterra

2.Finisterra, como já o dissemos no inicio é considerado por muitos o destino final do Caminho de Santiago, onde está a 3,5km, o mítico farol o ponto mais ocidental de espanha – durante séculos considerado o ponto mais ocidental da Europa, só mais tarde descobriu-se que o ponto mais ocidental fica em Portugal, no cabo da Roca em Sintra -, que deixou espantados os romanos ao verem o sol desaparecer por detrás do oceano e que acreditavam que era neste local – finis terrae –, que as almas  iam para ao céu.

Começamos o dia a fazer os últimos 3,5kms do Caminho desde a vila até ao Cabo Finisterra, onde se encontra o marco com a sinalética da vieira a assinalar o km zero. O fim do Caminho

O imponente edifício do farol está rodeado de escarpas perigosas, reza a história que foi palco de duas batalhas navais nos séculos XVIII e XIX entre o reino unido e a frança e de muitos naufrágios, o maior deu-se em 1870 quando um navio de passageiros se afundou com 482 pessoas, o acontecimento mais trágico da costa da morte.

3.São várias as tradições quando se chega ao fim do Caminho, ao km zero, como ver o nascer do sol que renasce tal como o peregrino que chegou ao fim e renasce de novo, infelizmente para nós o tempo estava nublado e lá se foi o nascer do sol e alguns de nós bem precisavam de renascer.

Outra das tradições é tomar banho no mar ou pelo menos molhar os pés e queimar ou deixar algo que o peregrino usou durante o Caminho, uma forma de celebrar uma nova vida. O Chico foi o único que cumpriu esta tradição e queimou um par de sapatilhas, que tinha utilizado há dois anos.

Ao fim de vinte minutos, partimos do km zero, iniciando a odisseia do dia, voltamos à vila e continuamos pelo Caminho pejado de peregrinos que, àquela hora se dirigiam para o farol do cabo, sempre pelo litoral a circunscrever as várias baías pela marginal, muito  cool.

4.O grupo tal como no dia anterior continuou desagregado, um clássico difícil de corrigir e foi por causa deste clássico fugitivo que depois de Corcubión em Caminhos Chans, km 23 dos 35 que teriamos de fazer até à bifurcação no Hospital onde tínhamos estado no dia anterior que, distraídos com as paisagens, seguimos em frente e só quando o Milo Santos deu pelo engano e tocou a rebate, já tínhamos percorridos indevidamente 18km, pela AC550, até Caldebarcos.

Como a disposição de fazer mais vinte kms para trás era pouca ou nenhuma e tinhamos alternativa, de resto a rota do Caminho de Santiago estava praticamente feita, só faltavam 12 kms, sem stress, fomos lanchar na boa, estavamos em Caldebarcos. Reajustamos o GPS para nova rota que haveria de ser pixante até Santiago, no entanto este engano, custou-nos caro, pois tivemos de subir duas serras, Santa Comba de Carnota e as As Paxareiras (serra de Outes?), duas subidas longos com grau de dificuldade médio, que nos fizeram derreter de transpiração mas, depois, voar por aquelas descidas de kms sem fim, com pouco transito, deram um gozo dos diabos.

O aniversário do Martinho

Ao fim numa dessas descidas paramos para comer os restos do saco de comida do dia anterior na pacata povoação da Serra de Outes. Como o Martinho fazia anos, obsequiou-nos com um bolo de aniversário comprado numa pastelaria local, para que todos os ddr lhe cantassem os parabéns, um luxo, e, mesmo sabedores da proeza do truque da véspera, em que o Martinho foi protagonista, toda a gente comeu o bolo partido por ele e lambeu os dedos, o champanhe será noutra ocasião a combinar em casa dele. Com este gesto o Martinho subiu ainda mais na nossa consideração. Parabens.

A ultima paragem e sellagem, foi já às portas de Santigo, o calor assim o exigiu.

Hás 16h00, estávamos novamente no ponto de partida, em frente à Catedral de Santigo. A aventura, algo desnorteada pelo Caminho Finisterra, tinha terminado.

Santiago de Compostela

Em jeito de resumo: foram dois dias excelentes, concluímos uma rota sempre adiada a cada ano. Embora o Caminho estivesse praticamente concluído  todos gostaríamos de o ter feito na volta, mas como vendo a perspetiva pelo lado positivo e estávamos ali pela aventura, peregrinamos por locais que mais ninguém peregrinou e haverá outras oportunidades de fazer tudo certinho, tudo certinho? Isso é outra história que só se concretizará quando as galinhas tiverem dentes ou os ddr sofrerem uma mutação genética drástica. Bom Caminho!

5.Não podemos terminar sem enaltecer os gestos solidários, rebocantes/empurrantes, do Cunha, Seara e Solinho, para com aqueles menos preparados fisicamente, que se esforçaram até aos limites para os manter no grupo e ao Carias que mais uma vez teve toda a paciência para nos aturar. Em nome do Grupo obrigado aos quatro.

Os dezoito: Filipe Torres; Francisco Ferreira; Emílio Santos; Celestino Palmeira; Paulo Santos; Emílio Hipólito; Rui Faria; Narciso Ribeiro; Paulo Fernandes; António Maia; Tiago Costa; António Solinho; Marco Gonçalves; Martinho Anthony; Eurico Cunha; André Tarrio; Miguel Dias e na logística Zacarias Palmeira

Agumas fotos (falta a de grupo), tiradas pelo Narciso e Chico e o excelente vídeo do Chico sobre a parte mais soft do Caminho.

Deixe um comentário